Do livro, “cristal sob o chão”

(O livro -nascido pelas laboriosas mãos de Evan Do Carmo-, a personagem -de primeira grandeza existencial-, uma vasta vivência -que não foi descrito um décimo de sua intensa magnitude)

Lastros de existir

Solo de fecundação, escadarias, candeias,
berços atados nas consturanças do tempo,
um sobrevoo na insolvência da paisagem
e chuvas de fogo iluminando a escuridão.

Convulsivo sonho e um insulto de chuva
na cicatriz fechada em silêncio cintilante,
uma convexa imagem, um dócil consolo,
um girassol abatido pela quentura do sol.

Arminhos, veleiros, acácias, destempero,
vidas em posturas de fogo e de queimada,
exaltação de palavras, construção de dor.

Cadeiras e cantigas na sustentação de rio
em um leito de parca, débil e vil servidão:
desejos intocados em um lastro de existir.

OXORONGA, Alufa-Licuta.

Imagem: Teodora – Acervo da família

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o embrião e a configuração do mistério

APRESENTAÇÃO
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A imagem pode conter: textoOlhando certas pessoas, inveja-me (sim, não tenho a menor preocupação em dizer isto) da capacidade destas em recuperar as coisas vividas e sentidas. Pois sei que não tenho tamanho dom. Sei que jamais conseguirei potencializar o meu imaginário a ponto de verbalizar cenas e fatos com tanta exatidão.

Sei que a temporariedade expressa em qualquer texto (seja subjetivo ou não, seja verso ou prosa, seja crônica ou conto), acaba extrapolando com o que se quer passar, acaba por dividir, por dispersar, por fragmentar, em vez de unir, condensar, restaurar aquilo que é contado; já que as memórias escritas dão ao texto pouca garantia de realidade, pois são vivenciadas, sobretudo, pela inventividade.

Quando me deparei ante a árdua, necessária e sacrificante tarefa de escrever o “Embrião e a configuração do mistério”, foi como se o tempo (e a própria temporariedade do tempo) despejasse em mim, com precisão de habilidoso arqueiro, dardos venenosos em minha alma. A estruturação de minha memória ainda não estava no ponto. Muitas coisas estavam infindas. Umas, pelo deslumbramento de se viver a cada dia um dia diferente e outras, pela própria necessidade humana de se esquecer do desdobramento da vida.

 

Por isto a tamanha hesitação. Mas, lembrando-me (o lembrar e o esquecer é coisa natural, vem e vai, entra e sai, permeia e desaparece) que Pedro Nava disse: “Escrever memórias é libertar-se, é fugir. Temos dois temores: a lembrança do passado e o medo do futuro.
Pelo menos um, a lembrança do passado é anulada pela catarse de passá-la para o papel”, logo vi-me acorrentado à necessidade de escrever este livro. Logo me deparei à obrigatoriedade de passar para o papel, mesmo que em parcas páginas e pobres versos, algumas experiências de vidas que vivi ao lado de mamãe.

O embrião e a configuração do mistério me levaram a um esforço de memória que jamais quis. Muitas coisas estavam esquecidas, ou ao menos, deixadas de lado. Resgatá-las, dá-lhes vida, vesti-la de novos argumentos, foi tarefa difícil e perigosa. Poderia muito bem cometer equívocos, erros, pois a memória de um poeta tem lapsos irreparáveis.

Contudo, o livro saiu e confesso, caro leitor, não é um dos melhores, é enfadonho, rebuscado, tem um andar muito lento. Possivelmente o acharás monótono e desnecessário.

Quem sabe, caro leitor, com toda a liberdade que tens, lerá apenas a primeira e a última página e acharás (com toda razão) que terá lido mais do que suficiente. Este livro foi feito mais para o meu travesseiro que para os vossos olhos. No entanto, ainda tenho uma vaga esperança que alguém (posso até supor quem seja, já que os meus leitores não passam de cinco, no máximo dez) possa tecer algo de bom sobre ele. Possa entender a minha extrema necessidade de escrevê-lo, necessidade essa que vem não apenas para mim, mas a outros tantos poetas que vivem escondidos por detrás de birôs e papeis contábeis.

Novamente confesso: este livro me trouxe uma tremenda dificuldade. Afinal, a memória de um homem é feito labirinto, tem múltiplas possibilidades e uma só saída. Rastreei a minha vida, revolvi a terra, o sulco, o entulho das coisas inúteis, e me deslumbrou, por resto, o que narro neste livro. Muitas outras coisas (ou fatos) ficaram para trás. Muitas outras estórias apareceram quando o livro estava findo, copilei em folhas avulsas para o meu próprio deleite, para o meu próprio contentamento.

Escrever memórias é tarefa dúbia: não se sabe onde começa a lembrança e onde finda a ficção. Mas digo, com toda a verdade de minha alma, os nomes são fictícios, algumas passagens (pela liberdade poética que por direito me é dado) também são. Mas eu e minha mãe sabemos o quanto de verdade está contido nestes versos, pobres versos de “O embrião e a configuração do mistério”.

Alufa-Licuta Oxoronga

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Fragmentos do livro. Páginas. 135-138. Parte VI – Mês

(Livro escrito quando fiz 20 anos de idade. Todo escrito em soneto narrativo. Formato que, segundo um amigo crítico, é singular à obra alufariana, pois não há divisão, a leitura se desenvolve como se fosse um só soneto. O livro conta com 230 páginas. Para uns, uma provocação. Para outros, tarefa enfadonha. O livro é dividido em ciclos gestacionais. A trama se desenvolve do primeiro ao nono mês. Tendo mais duas partes “Trabalhos de Parto” e “Parto”, finalizando a obra. Concluindo com um epílogo intitulado “A confirmação do mistério”.)

(…)

Manhã e tarde, noite e dia;
pela frente, longa estrada.
(Qual vaqueiro de boiada
que faz da noite sua lã macia,

sem uma fé que alivia)
fiz do chão minha pousada.
E tendo o céu como morada
e companheiro o dia-a-dia,

diante de uma grande casa
tardei um pouco o meu caminho,
perdi ao dono um pouso, uma pausa:

-Se achegue (disse-me um velhinho
com seu mistério de vasa,
ou pá de velho moinho)!

Conversa solta, noite alta,
mesa, vinho e farta janta.
-Meu senhor, e a dor tanta
de alguém não sentir falta;

não causa uma imensa pauta
sem te alguém que se encanta
quando deita ou se levanta
ou para acalmar a dor que assalta?

-Ouça bem o que vou falar:
tive netos e tive filhos
que hoje vivem em outro lar.

Cansei-me buscando trilhos
até que encontrei neste lugar.
-em meio à terras e aos milhos-

a resposta mais definitiva
para minha vida em tormento.
E se antes era só um intento,
hoje, em minha mente criva

o que em ti ainda dança e deriva.
-Meu senhor, é neste vento
que faz parte o firmamento
que esconde, tinge e “triva”

a dúvida interna da gente?
-Leva o homem de partida
um destino bem diferente

de sua jornada já cumprida,
para que ande sempre em frente
e descubra a própria vida.

-Meu senhor, e se a aventura
violar a minha alma
como irei manter a calma?
E se um dia, por ventura,

nesta jornada que é dura,
meu corpo sinta a sua palma
e ao chão, em dor, se espalma?
-Talvez, filho, a tua procura

esteja próximo de tua mão.
-Vou dormir, meu bom senhor;
pela manhã correrei chão.

-Ouça mais: a tua dor
é a distância que o sertão
sofre e sente do lavrador.

OXORONGA, Alufa-Licuta. O embrião e a configuração do mistério. p. 135-138. Redenção. 1986.

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O VERBO E O HOMEM, MEU NOVO LIVRO, PELA EDITORA DO CARMO

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O VERBO E O HOMEM
O Verbum et Homine. O homem não se faz necessário sem seu verbo, contudo, mesmo sem pronunciar palavras pode ser eterno e divino. Não há maneira mais humana de existir do que falando. Então se expressando o homem se situa e se realiza no mundo das ideias e do pensamento, isto é possível de quantas formas nos for concedido fazer.
A expressão artística, todavia, sempre foi a língua comum para homens e deuses se perpetuarem. A comunicação oral, contudo, foi seu apogeu, com ela o homem pode alcançar sonhos e sons de eternidades criativas. Mas é a poesia, a ver, como obra-prima, a princípio privilégio apenas de anjos e oráculos, a soma de tudo que até hoje nos foi revelado, é a poesia que congrega todas as artes, imaginadas, pintadas, cantadas ou faladas, de Gilgamesh a Homero, de Virgílio a Horácio de Platão a todos nós, poetas, homens e mulheres, que embora mortais e fora da “caverna”, ainda vivemos encantados com a musa que nos inspira a criação artística, poesia, música sacra ou pintura profana, tudo emana do divino criador de toda forma de expressão.

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Estão abertas inscrições para o Edital Prêmios Literários 2018 da FCP

imagem sem descrição.
Andreev Veiga, um dos contemplados pelo Edital em 2015

Continuam abertas as inscrições para o edital Prêmios Literários 2018 da Fundação Cultural do Pará (FCP). O lançamento foi publicado na edição do Diário Oficial do Estado do último dia 17 de dezembro de 2017. Para acessar o edital clique aqui e baixe os anexos. As inscrições encerram no dia 31 de janeiro.

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TEXTURA VIVENCIAL COMPLEXA, CAÓTICA E FRAGMENTADA

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Imagem: Marx Ernst (1923) Castor and Pollution

Sou psicólogo, Sou poeta, Sou negro, Sou redencense por criação e recifense por adoção. Sou necessariamente marginal. Pois margeio a vida e suas minudências. Retiro da área periférica da vida minhas abluções de existir. Por isto escrevo, faço livro e crio obras nem sempre lidas, ou entendidas. Mas que fazem barulhos e incomodam algumas mentes ocidentalizadas, mediocremente institucionalizadas.

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SONETO DO DIA

Encontro-me nu. E qual a nudez
de um poeta, dispenso todo o sonho;
vaidosamente desatino, enfadonho,
nesta veste do homem que me fez.

Qual um rio sem foz, vivo. Talvez
iludo-me e me fascino; e estranho
hesito entre o santo e o demônio
pelas águas turvas e sem nitidez

que navego lento. E qual a adaga
poética de Maiakovski, com o meu
corpo nu desvendo, na viva chaga

de sua poesia, o ser que sou eu.
E ébrio, nutro em meu ser a vaga
lembrança do homem que já morreu.

OXORONGA, Alufa-Licuta.

A minha força é a poesia

A minha força é a poesia
 
Sou um pequeno poeta
sem tanto compromisso,
sigo a vida insubmisso,
sem rota, destino ou seta,
visto a minha camiseta
com estampas de rebeldia
pois dela faço o meu dia
e a minha vida por inteira,
igual a brasa na fogueira
a minha força é a poesia.
 
Faço dos versos as cores
que a vida pinta meu ser,
e quando não posso conter
de minhas humanas/dores
busco n’arte, os primores
a tudo o que me alivia,
e de uma e outra cortesia
tiro a vida da algibeira,
igual a brasa na fogueira
a minha força é a poesia.
 
A minha humana/costura
em fios de puro algodão,
conhece o húmus do chão
e das folhas, sua nervura,
da mesma forma, a altura
das estrelas que me alumia,
dos traços, cada geometria
e da queimada a fumaceira
igual a brasa na fogueira
a minha força é a poesia.
 
Os meus pedaços de mim
que se cercam de vivência
se postulam à abrangência
em insurreição, em motim,
como se fosse seco capim
que se envolve em valentia
e se consome e se esvazia
de sua combustão inteira
igual a brasa na fogueira
a minha força é a poesia.
 
A cada humana/promessa
cerco-me do que me tange
e a tudo o que me abrange
dou-me em alma confessa
como se fosse uma travessa
disposta à mesa em aprazia
sei da vida, sua benfeitoria
em portas, janelas e soleira,
igual a brasa na fogueira
a minha força é a poesia.
 
E quando eu me esculto
a tudo o que me restou
em pedaços eu me dou
me construo e me exulto,
assim eu sou e me avulto
ao que dou, em analogia,
e antes de ser o que seria
me dou à humana/fiadeira,
igual a brasa na fogueira
a minha força é a poesia.
 
No alcance de minh’alma
a vida, que enfim se dispõe
me amolda, costura e repõe
o que me afora e ensalma,
e se por dentro me acalma
o que não me substancia,
ser grande não me alivia,
desta forma e maneira,
igual a brasa na fogueira
a minha força é a poesia.
 
OXORONGA, Alufa-Licuta

CRÍTICA SOBRE “DOS SOCOVÕES DA ALMA”

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DOS SOCOVÕES DA ALMA – EDITORA DO CARMO

Antes de iniciar a leitura de “ Dos Socovões da Alma”, lembrei que conheci o Poeta Alufa-Licuta Oxoronga em um grupo de WhatsApp de escritores paraenses. Desde , então , fui tomando proximidade com a sua escrita e me encantei com a poesia nela contida. Através dela passei a sentir que o talento do autor de” Dos Socovões da Alma” se derramava na pessoa de um ser que existe-existindo , como ele mesmo diz. E acrescento que , ao seu jeito humano de ser e estar nesta vida ( pelo que se apreende da sua força poética) , se poematizam as possibilidades de ser terra, céu e também imensidão de mar…

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POETA E ESCRITOR